sábado, 15 de maio de 2010

Vencendo os Limites da Deficiência

A Campanha da Fraternidade (CF) está chamando a atenção de todos para as pessoas com deficiência física, sensorial ou mental, com o objetivo de vencer preconceitos e eliminar discriminações. A CF deseja proclamar que tais pessoas não podem continuar na exclusão social, pois são tão dignas como as demais e são sujeitos de direito como todos. As pessoas não valem pela perfeição de seu corpo, mas pela dignidade que lhes é nata. Pessoas com deficiência se destacaram na história, nas lições de humanismo, nas artes e em tantas outras áreas, servindo de exemplo para todos nós.
Uma delas é Maria de Lourdes Guarda, nossa diocesana, natural de Salto, que viveu durante 48 anos presa num leito de hospital. Antes de se tornar tetraplégica era jovem professora cheia de saúde, engajada na vida de sua paróquia como exemplar catequista, quis ser freira, mas uma lesão na coluna vertebral a levou a se tornar presa a uma cama até o fim de sua vida, suportando muitas dores e passando por contínuos tratamentos que acabaram se revelando sem efeito. Porém esta mulher de fibra e de muita fé jamais perdeu a alegria de viver e a vontade de fazer o bem ao próximo. Filiou-se a “Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes” e, em cima de sua maca, percorreu praticamente todo o território nacional, divulgando o movimento e fazendo palestras de orientação para os deficientes, sempre imersa no mais profundo amor a Deus e ao próximo, levando vida sacramental exemplar.
Em Minas Gerais, no século 18 e princípio do 19, viveu o famoso artista plástico Antônio Francisco Lisboa, de todos conhecido por Aleijadinho. Era filho de uma escrava e um português. Aos 40 anos contraiu uma terrível doença que lhe tira o movimento das mãos e dos pés e vai atrofiando todo o seu corpo. Seus dedos tiveram que ser cortados. Seu rosto deformado causava espanto. Porém ele não desiste de seu dom artístico e continua seu trabalho de excelente escultor tendo as ferramentas atadas às mãos e sendo transportado por escravos para os locais de trabalho. Obras como “Os passos da Paixão” e “Os doze profetas”, da Igreja de Congonhas do Campo (MG) e tantas outras em Ouro Preto, Marinha, São João Del Rei, Tiradentes e alhures, nos dão conta de quanta força de vontade era dotado este excelente artista, símbolo maior do barroco brasileiro.
Outro expressivo exemplo encontramos no famoso compositor alemão Ludwig van Beethoven que em 1824, termina sua Nona sinfonia, já completamente surdo.
Johan Sebastian Bach percorreu seus últimos anos completamente cego, morrendo em 1750, deixando um repertório que o classifica como o maior compositor barroco do mundo.
O físico inglês Stephen Hawking, aos 20 anos, é acometido de uma doença degenerativa que atinge todos os músculos do corpo. Contudo prossegue seus estudos e pesquisas, tornando-se um dos maiores mestres em cosmologia. É conhecido, sobretudo pelos estudos a respeito dos buracos negros. Sobre o assunto há inúmeras publicações.
A deficiência não significa castigo, nem missão que a pessoa tem na terra, nem oportunidade de pagar erros de vidas passadas. Elas são simplesmente resultado de algum acidente de percurso, que modificou fisicamente ou mentalmente a pessoa, mas não atingiu sua condição humana merecedora de respeito e atenção. Com elas também aprendemos a reconhecer nossos limites e a conviver pacificamente com eles. O texto base da CF, alerta: Na América Latina e Caribe, segundo dados do Banco Mundial, existem mais de 50 milhões de pessoas com deficiência. Isso significa cerca de 10% da população regional. Porém apenas 20% a 30% das crianças com deficiência estão matriculadas na escola. Cerca de 80% a 90% das pessoas com deficiências estão desempregadas. Ou, pior, nem fazem parte da força de trabalho. Quem trabalha, ganha mal - isso quando recebe salário.
No campo da saúde, as pessoas com deficiência se sentem completamente alienadas. As seguradoras de saúde rejeitam clientes com deficiência. Os poucos dados disponíveis revelam que menos de 20% dos incapacitados recebem benefícios de seguro.
Talvez o mais grave seja que, em pleno século 21, pouquíssimas medidas tenham sido tomadas pelos governos, em favor das pessoas com deficiência. Atentemos ainda para o grave problema da eugenia, a ideologia da ração pura, como aconteceu no tempo do nazismo que eliminou a muitos por causa de raça, cor ou deficiência. A CF alerta: diante do problema da deficiência, há ainda grupos que, historicamente, acham que a questão da deficiência deve ser resolvida na força. Se é difícil conviver com a “diferença”, pensam que a “solução” é eliminar o problema, ou melhor, eliminar as pessoas. É o que acontece com certas pessoas abortistas que pretendem eliminar fetos portadores de alguma deficiência. Isto representa uma das mais graves agressões aos direitos humanos.
O exemplo das pessoas com deficiência, mas que enfrentam a vida com fé e coragem, sirva de conversão para todos nós, levando à construção de uma sociedade solidária e fraternal onde todos sejam tratados não pela aparência, mas pela sua condição de seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus.

(Publicado no Jornal "O Verbo" , órgão informativo da Diocese de Jundiaí - nº 221
Dom Gil Antônio Moreira, Bispo Diocesano de Jundiaí

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